terça-feira, 23 de junho de 2009

Imprensa sem diploma, por Carlos Adauto Virmond Vieira*

ARTIGO

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é inconstitucional a exigência de diploma de jornalismo. Em que pese a liberdade de expressão e de informação, a exigência do diploma para o jornalista trazia garantias para a sociedade. A não obrigatoriedade do diploma desvaloriza toda a classe profissional, escancarando as portas para que até semi-analfabetos se auto-intitulem jornalistas. A primeira consequência é o enfraquecimento da ética profissional, como já se observa na desmedida proliferação de jornalecos, criados sem qualquer compromisso com a verdade, unicamente para servir aos interesses de seus financiadores. O jornalismo, aos poucos, deixa de ser uma profissão e passa a ser um negócio, calcado na manipulação da opinião pública. Sem dúvida que a decisão é um grande retrocesso.

Nos países desenvolvidos, há uma clara distinção entre o jornalista profissional – com diploma –, e o colunista ou articulista, com especialização em outras áreas de conhecimento. Ao jornalista, cabe retransmitir aos cidadãos os fatos do dia-a-dia dentro de um padrão de imparcialidade e fidelidade ao ocorrido. Ou seja, o jornalista não exprime sua opinião ou convicção pessoal, mas repercute fatos, ouvindo todas as partes envolvidas. Por isso, a nobre profissão do jornalismo se equivale a do juiz, lhe cabendo, com serenidade, analisar o ocorrido, sopesar as versões de um e outro lado, e garantir que chegue aos cidadãos uma versão imparcial dos fatos.

Por outro lado, os colunistas, comentaristas ou articulistas calcam seus textos na sua ótica pessoal sobre os fatos, bem como na área de conhecimento que dominam. Deles, não caberia exigir o diploma de jornalismo, mas sim criar regras para uma convivência harmônica com os demais profissionais da imprensa.

A inexigibilidade do diploma cria problemas, por exemplo, nos concursos públicos. Quem pode se habilitar para concorrer em prova pública para preencher cargos nas assessorias de comunicação dos órgãos do governo? Após a decisão do STF, a resposta seria qualquer um, mesmo que sequer saiba escrever. No Brasil de hoje, observa-se um enorme desequilíbrio entre a liberdade de imprensa e as garantias fundamentais do cidadão. Primeiro, coibiu-se a criação de um conselho de ética da imprensa, que teria como objetivo autorregulamentar a profissão. Depois, revogou-se integralmente a lei de imprensa, deixando as questões judiciais da área ao sabor da interpretação casuística de cada processo. E, agora, se feriu de morte a formação profissional do jornalista, que passa a sofrer concorrência desleal de quem nada investiu em formação universitária e se submete a trabalhar por qualquer salário.

Nenhuma liberdade é absoluta, nem mesmo a de expressão, e ao invés de se garantir a valorização do profissional do jornalismo, a não exigência do diploma terminará por transformar a profissão em um bico, para todos aqueles que não tenham qualquer formação profissional. Perde a sociedade – que fica exposta aos oportunistas de plantão –, e perde a democracia, que sempre teve a imprensa como um de seus mais fortes alicerces, na defesa contra o autoritarismo do Estado ou dos desmandos da elite do poder. E como já dizia Nelson Rodrigues, vivemos um tempo em que os idiotas perderam a modéstia e em nome da liberdade de expressão temos de respeitar toda sorte de asneira proferida por pessoas que opinam sobre o que não sabem ou não conhecem.

*Advogado, mestre em direito pela Universidade de Köln, Alemanha

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